Cultura Marítima Jagoz II
Mais Cultura Marítima Jagoz
Conserveiras de Sardinha
1 - Fábrica de Conservas de Peixe - ALEGRIA, de Alves, Mendanha & C.ª
Em 1904, Jerónimo da Silva Mendanha fundou a sociedade Mendanha & C.ª, com sete sócios a saber: Mendanha, Graça, Rufino, José, Francisco, Ventura e Santana, com o capital de um conto e quatrocentos mil réis divididos em partes iguais. Nesse ano, compraram uma pequena fabrica de conservas em Setúbal. Para gerir a sociedade foi nomeado Jerónimo da Silva Mendanha.
A sociedade não se limitou só ao meio industrial setubalense, estendeu mais longe a sua acção e foi até Olhão aonde montou uma fábrica de conservas.
Em 1909, após divergências entre os sócios, Jerónimo da Silva Mendanha abandona a gerência, entrando para gerente da nova sociedade, que passou a denominar-se Alves, Mendanha & C.ª, José Alves da Silva Júnior. [1]
A 1 de Novembro de 1915 é entregue na Junta de Paróquia da Ericeira um requerimento da firma Alves, Mendanha & C.ª, de Setúbal, em que se propõe comprar parte de um baldio que a Junta possui no Largo de S. Sebastião, com destino à construção de uma fábrica de conservas de peixe. A Junta delibera vender o referido terreno e consultar o Governador Civil sobre a melhor maneira de o fazer. [2]
Em 3 de Novembro, a Delegação Marítima da Ericeira enviou o requerimento de José Alves da Silva Júnior pedindo que fosse posto em praça o local onde pretendia lançar uma armação de sardinha dupla do sistema valenciano, na costa da Ericeira.
O delegado marítimo, João Manuel Rodrigues da Silva, informava que a pretensão do requerente se referia ao local “Nova Santa Marta”, concessão que tinha pertencido à Companhia de Pescarias Ericeirense, a qual fora considerada caduca por Portaria de 21 de Janeiro de 1907.
O local era assinalado da seguinte forma: distâncias angulares – S. Julião a S. Sebastião – 69º:23’; S. Julião e Farol da Roca – 84º:42’; e Palácio da Pena a S. Julião – 55º:00’; enfiamentos – Casal do Carido pela Casa do Malta; Moinho da Carvoeira pela Ponta do Mosqueiro; e Mira-Corvos pela Ponta do Pinhal.
Em 18 de Novembro, a Direcção Geral de Marinha comunicou ao Departamento Marítimo do Centro que o Ministro da Marinha tinha deferido o requerimento de José Alves da Silva Júnior devendo, em virtude do disposto no nº 4 do Artigo 61º, a base de licitação ser de 100$00, porque o local fora explorado apenas durante três anos.
A 22 de Dezembro, José Alves da Silva Júnior, sócio gerente da empresa conserveira de Setúbal, Alves, Mendanha & C.ª, faz o pedido de arrematação do local para a pesca da sardinha à valenciana, denominado “Nova Santa Marta”. A concessão foi ganha pela empresa C. Rodrigues & C.ª (Filhos), pois foi a que ofereceu melhor preço na licitação do concurso. [3]
A 7 de Janeiro de 1916, no Largo de S. Sebastião, foi hoje colocada a primeira pedra para a construção da fábrica de conservas de sardinha, da firma Alves, Mendanha & Comandita.
[4]
Em 10 de Janeiro, a firma Alves, Mendanha & C.ª, de Setúbal, requereu ao Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Mafra licença para edificar uma casa e morar a sua propriedade sita no Largo de S. Sebastião, na Ericeira. Com esse fim apresentou a planta que se ilustra nas figuras 1 e 2.
Em 26 de Janeiro, a Câmara de Mafra concedeu a licença para a referida construção. [5]
[1] Mendanha, Jerónimo da Silva, (1920), Comunicado aos Sócios da Sociedade Mendanha & C.ª, Comercial Gráfica, Lda., Rua Febo Moniz, 5 e 7, Lisboa.
[2] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[3] Esteves, F., (2011), As Armações da Ericeira, Editora Mar de Letras, Ericeira.
[4] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[5] Arquivo Municipal de Mafra,PT-AMM-CMMFR-17-01-(1916).
Fig. 1 Planta do terreno onde viria a ser constuída a fábrica Alegria.
Fig. 2 Planta da fachada Nascente
A 21 de Julho, a Alves, Mendanha & C.ª solicita ao Presidente e Vogais da Junta de Paróquia da Ericeira um documento que exprimisse a opinião da referida Junta sobre os benefícios ou prejuízos que pudessem resultar, para a população da vila, da captação dos sobejos da água produzida pela fonte que existe a meio das arribas, próximo do Largo de S. Sebastião.
A empresa pretendia elevar a água por meio de uma canalização até à sua fábrica. O documento destinava-se a instruir o requerimento que pretendia apresentar à Câmara Municipal de Mafra pedindo autorização para a captação dos referidos sobejos.
Para melhor avaliar a situação, a empresa juntou a seguinte memória descritiva acompanhada da respectiva planta: «As arribas de S. Sebastião constituem-se por uma escarpada encosta que tem ao fundo o Oceano Atlântico e na parte superior um extenso logradouro pertencente à Junta de Paróquia da Ericeira, onde se encontra a vetusta Ermida de S. Sebastião. Ao norte desse logradouro adquiriu a firma Alves, Mendanha & C.ª uma porção de terrenos que já pertenceu em tempos à Câmara Municipal, e onde a mesma firma mandou edificar uma fábrica para a preparação de peixe em conserva que já está em laboração.
De uma das sinosidades dos rochedos que ali existem brota uma nascente de água potável que em tempos remotos foi aproveitada para fonte e que é servida por uma escadaria de pedra, que, partindo do logradouro referido desce até ao areal junto ao mar. A água dessa fonte é, numa pequena porção, aproveitada pelo público e a quase totalidade extravia-se pelos terrenos que lhe ficam inferiores, sem benefício para ninguém, antes prejudicando consideravelmente as belezas naturais desse local – cuja vista panorâmica é soberba, – pelos charcos que constitue.
Acontece que, para a regular laboração da fábrica, carece a firma Alves, Mendanha & C.ª de mais água do que aquela que conseguem obter na sua propriedade e por isso lembraram-se de estudar a forma como poderiam conseguir o aproveitamento dos sobejos da fonte de S. Sebastiao, desde que obtivessem da Câmara Municipal a precisa concessão. E assim, segundo se vê da planta junta (Figura 3), poderia perfurar uma das rochas que fica ao norte da fonte, e à distância de 1 metro desta, construir um depósito de 1,5m de fundo e igual medida de comprimento e largura o que daria aproximadamente 7 pipas de água, porção bastante para a laboração regular da sua fábrica onde presentemente já se empregam diariamente cerca de 100 pessoas, e sobre esse depósito, que ficaria a 0,60m abaixo da bica, construiria um pequeno mas elegante “chalet” de 2 metros de aresta e 2,5m de altura a fim de defender a bomba das inclemências do tempo e das brincadeiras do rapazio endiabrado. Uma canalização de ferro seguiria do depósito até ao edificio da fábrica, completando assim um conjunto que dando impulso à florescente indústria da preparação de peixe em conserva na Ericeira, desenvolveria extraordinariamente o comércio local com manifesto interesse para a classe tarbalhadora que ali encontraria trabalho certo e bem remunerado para viver».
A 23 de Julho, a Alves, Mendanha & C.ª requer ao Vice-Presidente da Comissão Executiva da Câmara de Mafra, Manuel Franco, que se dignasse dar-lhe o seu parecer sobre a concessão de poder captar – sem prejuízo do público – os sobejos da água produzida pela fonte que existe nas arribas próximo do Largo de S. Sebastião na vila da Ericeira. Como argumento invoca a qualidade de vereador dedicadíssimo ao progresso da Ericeira e à defesa dos interesses locais, sendo natural o seu parecer ser necessário à ilustre vereação no sentido de orientar a ponderada e conveniente resolução a tomar sobre a pretensão desejada.
No mesmo dia, Manuel Franco emitiu o seguinte parecer: «Se para promover o progresso da Ericeira e o seu desenvolvimento comercial e industrial fosse necessário sacrificar mínimas regalias que o povo usufruísse, eu não teria dúvida em dar todo o meu apoio à colectividade promotora, quanto mais quando se trata de uma concessão que não tira regalias, que não prejudica terceiros, porque ninguém aproveita essa água que se some no areal. É, pois, sobre todos os motivos justa a pretensão dos Srs. Alves, Mendanha & C.ª e a sua concessão impõe-se pelos benefícios resultantes do desenvolvimento da indústria da pesca, tendo como consequência a colocação de muitas dezenas de pessoas, e o embelezamento do local, o mais pitoresco da região, sem encargos para o município.
Fig. 3 Planta do local onde se situa a Fonte de S. Sebastião.
A 25 de Julho foi a vez da Junta da Paróquia de Ericeira emitir a seguinte deliberaçõo: «Esta reunião extraordinária foi convocada pela maioria da Junta a pedido da firma Alves, Mendanha a fim de ser apreciado e informar a excelentíssima Câmara Municipal de Mafra sobre um requerimento para a construção de um reservatório dos sobejos da água da fonte de S. Sebastião.
Foi proposta e aprovada a seguinte moção: Lida e ponderada a petição que a firma Alves, Mendanha e Companhia vai dirigir à Câmara Municipal deste Concelho e examinada que foi a planta do local com a indicação das obras que a mesma firma deseja construir e considerando que tal pretensão em nada prejudica o público visto apenas se tratar dos sobejos da fonte de S. Sebastião e não de utilizar-se da própria nascente; Considerando que esses sobejos não são aproveitados por ninguém, provocando charcos e lamaceiros prejudiciais à saúde pública, porque a canalização que devia conduzir esses sobejos para o mar, se encontra obstruída por falta de reparação e limpeza; Considerando que a firma Alves, Mendanha e Companhia, como compensação toma o compromisso de embelezar o local, obrigando-se, ainda, pela limpeza e conservação da fonte e das escadarias que lhe dão serventia; Considerando que esse benefício redunda em benefício do cofre municipal e em regalia do povo da Ericeira e da colónia balnear; Considerando que às corporações administrativas cabe o dever de auxiliar todas as iniciativas que não prejudicando terceiras pessoas, influam no desenvolvimento do progresso local; Finalmente considerando que do desenvolvimento da indústria das fábricas de conserva de peixe na Ericeira, resultará o engrandecimento da indústria da pesca e com um e outro a riqueza desta região. A Junta de Paróquia da Ericeira em deferimento do presente requerimento resolveu dar o seu parecer favorável
à pretensão de que se trata e todo o seu apoio à Câmara Municipal para que defira a pretensão da firma Alves, Mendanha e Companhia».
A 26 de Julho, a Alves, Mendanha & C.ª com fábrica de preperação de peixe em conserva na vila da Ericeira requer ao Presidente e Vogais da Comissão Executiva da Cãmara Municipal do Concelho de Mafra a necessária autotização para poder captar e aproveitar os sobejos da fonte que existe a meio das arribas que limitam o rossio de S. Sebastião, junto à ermida do mesmo nome, e próximo do edifício da sua fábrica. Juntou a planta do local, tendo indicada toda a obra que pretende construir: depósito, pequena casa assente sobre o mesmo para a colocação da bomba [manual ou a vapor], e directriz que obedecerá à colocação da canalização assim como uma memória descritiva do local e da obra e os prévios pareceres da Junta de Paróquia e do ilustre vereador da Câmara pela Freguesia da Ericeira.
A 9 de Agosto, a Comissão Executiva da Câmara Municipal de Mafra delibera conceder a autorização solicitada pela firma Alves, Mendanha & C.ª, da Ericeira, com a condição de satisfazer anualmente na tesouraria da Câmara, no mês de Agosto, a quantia de seis escudos durante o tempo que se utilizar dos sobejos da água da fonte a que a presente petição alude, cessando esta autorização logo que a mesma firma deixe de efectuar o pagamento da quantia acima estipulada ou quando esta municipalidade assim o entenda de reconhecida necessidade e sem à referida firma ficar, o, direito de indemnização alguma por parte do município». [1]
A 4 de Setembro, uma representação, assinada por quarenta e sete cidadãos da Ericeira, foi apresentada à Junta de Paróquia pedindo para que a Junta se interessasse para com o povo, requerendo uma vistoria pelo Subdelegado de Saúde de Mafra às águas da fonte de S. Sebastião que se encontravam inquinadas. Reconhecendo a Junta ser da máxima importância o assunto, deliberou entender-se com a firma Alves, Mendanha & C.ª, fazendo entretanto a devida participação à autoridade competente.
A 12 de Setembro, o Subdelegado de Saúde de Mafra informa a Junta de Paróquia, que conforme o seu pedido, visitou a fonte de S. Sebastião. Do exame a que procedeu, tanto na fonte como na fábrica de conservas de peixe, fica com a convicção de que a inquinação das águas se deve à infiltração de líquidos daquela fábrica e que já avisara os seus proprietários para procederem a obras que evitem a infiltração, na esperança de que com isso se resolva o problema. [2]
A 24 de Setembro, o Ministro do Trabalho, António Maria da Silva, inaugurou ofialmente a Fábrica Alegria, da empresa Alves, Mendanha & C.ª, no Largo de S. Sebastião, que já se encontrava em laboração há vários meses. [3]
A 2 de Outubro, o vogal, Manuel dos Santos Caré, informa a Junta de Paroquia de que a fonte de S. Sebastião se encontra inutilizada para o público, porque a firma Alves, Mendanha & C.ª, proprietária da fábrica de conservas, está-se a aproveitar de toda a água da mesma fonte, excedendo assim, nos termos da pretensão que dirigiu à Câmara para o aproveitamento das suas sobras, pretensão essa que foi favoravelmente informada por esta Junta, com a salvaguarda das conveniências públicas que consta dos considerandos que precederam a mesma informação e recomenda à Junta que oficie à Câmara de Mafra pedindo-lhe que se empenhe com urgência na resolução do prejuízo público. [4]
Em 1917, a empresa conserveira passou a designar-se Alves, Mendanha & C.ª Limitada. [5]
A 19 de Março, a Junta de Paróquia aprecia um requerimento da firma Alves, Mendanha & C.ª, a qual deseja que a Junta lhe conceda a Ermida de Santo António e terreno anexo por se achar profanada e quase em ruínas, para ali montar um elevador de acesso à praia o que representará um incontestável melhoramento material para a vila e para o Estado, e pede que lhe defira a pretensão.
A Junta considerando que o requerido representa um importante melhoramento local, deliberou deferir o dito requerimento prescindindo assim do referido local para a construção de um mercado que já havia requerido, cedendo-o em favor do requerente ou de quem mais oferecer e nas condições seguintes: 1.º - Cortar a frente da Capela de forma a que a mesma fique alinhada com o prédio que lhe fica a norte; 2.º - Que a construção esteja concluída no prazo de um ano. [6]
A 18 de Julho, a Câmara Municipal de Mafra concedeu o alvará nº 208 à Alves, Mendanha & C.ª. O alvará foi emitido a 10 de Agosto, depois de cumpridas todas as formalidades legais.
A fábrica começou a laborar em 1917.
A 26 de Janeiro de 1918, a Alves, Mendanha & C.ª solicitou autorização ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra para efetuar uma ampliação da fábrica de conserva de peixe, em S. Sebastião, na Ericeira, de acordo com as plantas das figuras 4, 5, 6 e 7. [7] Após a ampliação a Fábrica Alegria ficou com o aspecto que se ilustra na figura 8. [8] Na figura 9 mostramos a sua localização em S. Sebastião. [9]
A 7 de Outubro se 1919, a firma Alves, Mendanha & C.ª apresenta um requerimento à Junta de Freguesia da Ericeira pedindo para que seja posta em praça a Ermida de Santo António para poder concorrer à compra da mesma que lhe servirá para ali instalar um grupo de electricidade para melhorar a iluminação eléctrica na vila.
A Junta aprecia o documento e dá parecer favorável para os fins e efeitos requeridos pela referida firma, deliberando dar conhecimento do deferimento ao Sr. Administrador do Concelho. [10]
Em 14 de Janeiro de 1921, a Delegação Marítima da Ericeira enviou ao Departamento Marítimo do Centro o requerimento em que Jerónimo da Silva Mendanha pediu para ser posto em praça o local “Esperança” para lançamento de uma armação de sardinha à valenciana simples.
Jerónimo da Silva Mendanha residia nessa época na Ericeira, sendo o gerente da filial ericeirense da firma Alves, Mendanha. Embora nunca o tenha referido, na diversa documentação apresentada ao Estado para requerer a concessão mencionada, penso que o fez na qualidade de gerente residente da filial jagoz da Alves, Mendanha.
Em 1 de Fevereiro, a 4ª Direcção Geral de Marinha, 5ª Repartição, comunicou ao Departamento Marítimo do Centro que o Ministro da Marinha, concordando com o parecer da Comissão Central de Pescarias, tinha diferido no seu despacho o requerimento no qual Jerónimo da Silva Mendanha pedia para ser posto em praça o local “Esperança”, considerado caduco pela Portaria, de 10 de Dezembro de 1920, devendo essa praça obedecer à doutrina do Decreto nº 2.175, de 8 de Janeiro de 1916, considerando-se o local como novo, isto é, a base da licitação deveria ser de 100$00 escudos.
O local “Esperança”, primeiramente vistoriado em 19 de Março de 1919 e depois rectificado em 19 e Dezembro do mesmo ano, era determinado pelos seguintes elementos: Distâncias angulares – Ermida de S. Julião ao Castelo da Pena – 93º:34’; Castelo da Pena ao Farol do Cabo da Roca – 33º:46’; Ermida de S. Julião à Pirâmide da Assafora – 43º:40’; Pirâmide da Assafora à Pirâmide da Lomba de Pianos – 40º:14’; e Pirâmide da Lomba de Pianos ao Farol do Cabo da Roca – 43º:07’; Enfiamentos – Moinho do Lamuras um pouco aberto por SE da empena SE da Fábrica do Mendanha; Cabo David a meio do Casal mais alto da Assafora; e Penedo Mouro à Cestinha da Serra de Sintra. O fundo era de areia fina com 19 braças. A rabeira teria 500m de comprimento.
Em 7 de Fevereiro, o Departamento Marítimo do Centro enviou à Delegação Marítima da Ericeira um edital para ser afixado na Delegação, marcando a arrematação do local “Esperança” para o dia 17 de Março de 1921.
O edital anunciava a colocação em hasta pública do local “Esperança”, requerido por Jerónimo da Silva Mendanha, na sede do Departamento Marítimo do Centro, em 17 de Março, pelas 13h, e os elementos para a sua localização. A base mínima da arrematação era de 100$00 escudos.
Em 17 de Março, pelas 13h e 15m, o Departamento Marítimo do Centro procedeu à abertura da proposta apresentada para a arrematação, anunciada no “Diário do Governo” nº 34, 3ª Série, de 12 de Fevereiro de 1921, do local para lançamento de armação de sardinha à valenciana simples, na área da Delegação Marítima da Ericeira, denominado “Esperança”.
Estiveram presentes, o Chefe do Departamento Marítimo do Centro, Benjamim de Paiva Curado, o Adjunto, José de Freitas Ribeiro, e o Escrivão, António Alves.
Jerónimo da Silva Mendanha, residente na Ericeira, apresentou a única proposta, devidamente reconhecida, no valor de 125$00. Jerónimo Mendanha havia requerido que o local fosse posto em praça tendo para esse efeito efectuado um depósito de 100$00 no cofre do Departamento.
O proponente apresentou também os documentos em que demonstrou que era cidadão português no gozo dos seus direitos cívicos para serem juntos ao respectivo processo.
Examinada a proposta, e os documentos juntos, e verificando-se que não havia mais concorrentes, foi feita a adjudicação provisória do local “Esperança”, a Jerónimo da Silva Mendanha, único concorrente.
Em 2 de Abril, o Departamento Marítimo do Centro comunicou à Delegação Marítima da Ericeira que o Ministro da Marinha, no seu despacho, de 30 de Março último, tinha deferido o requerimento em que Jerónimo da Silva Mendanha pedia autorização para iniciar o lançamento da armação no local “Esperança”, na área da delegação.
Em de 11 de Abril, o “Diário do Governo” nº 81, 2ª Série publicou os termos em que o local “Esperança” fora concedido a Jerónimo da Silva Mendanha.
Em 29 de Abril, o Departamento Marítimo do Centro comunicou à Delegação Marítima da Ericeira que tinha sido assinado no dia anterior no Departamento, o termo de concessão do local “Esperança” tendo sido paga pelo respectivo concessionário a importância relativa à adjudicação do citado local.
Em 1 de Maio, a Delegação Marítima da Ericeira informou o Departamento Marítimo do Centro que a armação de pesca da sardinha “Esperança” tinha terminado o lançamento na costa em 28 de Abril findo.
A partir do início de Junho, a armação “Esperança” começou a fornecer sardinha para as conservas da Fábrica Alegria. O local da armação “Esperança” foi concessionado a Jerónimo da Silva Mendanha apenas em 1921 e 1922. [11]
Não consegui, até ao momento, determinar o ano em que a fábrica de conservas Alegria deixou de operar. Fechou certamente antes de 1931, ano em que operou a última armação de sardinha à valenciana na Ericeira.
A 7 de Julho de 1945, a Junta de Freguesia da Ericeira oficia à firma Alves, Mendanha & C.ª Lda., de Setúbal, informando-a de que está interessada na aquisição do terreno onde existem as ruínas da antiga fábrica de conservas Aurora [12].
A 23 de Julho, a Junta de Freguesia oferece à firma Alves, Mendanha & C.ª Lda., a quantia de 1.000$00 pela compra do terreno onde se encontram as ruínas da sua fábrica de conservas, no Largo de S. Sebastião.
A 23 de Agosto, em virtude da firma Alves, Mendanha & C.ª Lda., não ter dado qualquer resposta à Junta de Freguesia quanto à oferta feita para a aquisição dos terrenos do Largo de S. Sebastião, a Junta deliberou oficiar novamente a fim de obter qualquer resposta.
A 6 de Setembro, a Junta de Freguesia toma conhecimento de um ofício da firma Alves, Mendanha & C.ª Lda., informando-a da impossibilidade de realizar qualquer transação sobre as ruínas da sua fábrica, na Ericeira, porque a firma se encontrava em fase de reorganização.
A 25 de Junho de 1948, a Junta de Turismo Junta delibera ter uma reunião com a Câmara de Mafra para tratar da demolição das ruínas da Fábrica Mendanha, em S. Sebastião. [13]
A 22 de Junho de 1970, a Junta de Freguesia informa a Câmara Municipal de Mafra de que o edifício, da antiga fábrica da empresa Alves, Mendanha & C.ª Lda., foi demolido no ano de 1937 ou 1938. [14] Também não consegui verificar, até agora, se esta informação é verdadeira.
[1] Arquivo Municipal de Mafra.,PT-AMM-CMMFR-17-01(1916).
[2] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[3] Arquivo-Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira.
[4] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[5] Mendanha, Jerónimo da Silva, (1920), Comunicado aos Sócios da Sociedade Mendanha & C.ª, Comercial Gráfica, Lda., Rua Febo Moniz, 5 e 7, Lisboa.
[6] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[7] Arquivo Municipal de Mafra,PT-AMM-CMMFR-17-01-(1918).
[8] Arquivo-Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira.
[9] Biblioteca Nacional, Lisboa.
[10] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
[11] Esteves, F., (2011), As Armações da Ericeira, Editora Mar de Letras, Ericeira.
[12] Trata-se um engano, na verdade este era o nome da fábrica conserveira da Alves, Mendanha & C.ª Lda., situada em Setúbal.
[13] Actas da Junta de Turismo, Livro nº 2.
[14] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
Fig. 4 Planta de implantação da fábrica Alegria no terreno. A vermelho a ampliação solicitada à câmara em 1918
Fig. 5 Projecto de ampliação.
Fig. 6 Ampliação, planta da fachada Norte.
Fig. 7 Ampliação, plantas das fachadas Poente (cima) e Nascente (baixo).

Fig. 8 Foto das fachadas Sul e Este da fábrica Alegria, após ampliação em 1918 [1]

Fig. 9 Local de implantação da fábrica "Alegria" (Mendanha no mapa) em S. Sebastião. Escala 1/5.000 [2]
[1] Foto existente no Arquivo-Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira.
[2] Plano Hidrológico do Portinho da Ericeira, 1920, Biblioteca Nacional, Lisboa.
Ericeira, Agosto de 2016. Texto actualizado em Setembro de 2023. Francisco Esteves.
2 - Conserveira António da Silva Roque, Sucessores
A empresa conserveira jagoz, António da Silva Roque, Sucessores, foi fundada em 1924.
Em 2 de Março, António da Silva Roque requereu à Câmara Municipal de Mafra autorização para construir dois barracões num terreno (quintal) que possuía na Ericeira. A propriedade confrontava, a Norte, com Francisco Calado, a Sul, com Benvinda da Conceição, a Nascente, com a Rua do Arrabalde e, a Poente, com a Rua de S. Sebastião.
Nas figuras 1 e 2 ilustramos a planta que então anexou ao requerimento referido. O documento foi assinado por Luís Bernardino e Silva, em nome de António da Silva Roque, que é também o autor da planta. Luís era irmão do saudoso Jaime de Oliveira Lobo e Silva e dono da drogaria Bernardino.
Em sessão de 16 de Abril, a Câmara concedeu a licença solicitada para execução da obra. Aconselhava a que não ultrapassasse os limites do que lhe pertencia, devendo observar, quanto a salubridade, o que dispõe o regulamento respectivo. [1]
[1] Arquivo Histórico Municipal de Mafra, PT-AMM-CMMFR-17-01-(1924).
Fig. 1

Fig. 2
Em Agosto de 1939, segundo informação do regedor da Ericeira à Câmara Municipal de Mafra, a empresa já não se encontrava a laborar, desde 1927. [1]
Ericeira, 2017. Texto actualizado em Setembro de 2023. Francisco Esteves
[1] Pereira, Amadeu, D., (2020), Efemérides da Vila da Ericeira, Jornal O Ericeira, Ericeira.
3 - Fábrica de Conservas Alimentícias de Fernandes, Ramos & C.ª
Não conhecemos o ano em que a fábrica de conservas alimentícias, Fernandes, Ramos & C.ª, começou a laborar. Nem o local onde situava na vila. Sabemos apenas que um dos sócios fundadores foi Domingos Fernandes, grande industrial, comerciante e exportador de lagostas da Ericeira.
Domingos Fernandes foi igualmente sócio da conserveira ericeirense Alves, Mendanha & C.ª.
Seguramente, a data da fundação não é posterior a 19 de Junho de 1919, pois o livro de facturas, a que tive acesso, foi impresso na Tipografia Cardim, de Cascais, na data referida.
Em 4 de Outubro de 1921, a empresa facturou 135$10 escudos à Sociedade de Pescarias Cabo da Roca Lda., pelo fornecimento de madeira e óleo.
Em 22 de Maio de 1922, a Fernandes, Ramos & C.ª facturou, à concessionária das armações de sardinha à valenciana da Ericeira, Rosa & Comandita, 60$00 escudos pelo frete de “camion” à Malveira para ir buscar redes. A quantia seria deduzida no valor do peixe que a empresa adquiria à Rosa & Comandita.
Em 17 de Julho, facturou a Charles E. Le Goullon & C.ª 7.200$00 escudos por 100 caixas de ¼ club “Juliette”. Ficamos assim a saber que uma das marcas de conservas jagozes se chamava “Juliette”.
No mesmo mês vendeu também conservas para a empresa La Bretagne.
Em 15 de Setembro, a Fernandes, Ramos & C.ª facturou, a António José de Noronha, uma caixa de conserva “Branos” no valor de 75$00 escudos e a António de Barros, de Lisboa, 5 caixas de conservas de ¼ club “Juliette” no valor de 360$00 escudos. Daqui concluímos que a empresa comercializava pelo menos duas marcas de conservas “Branos” e “Juliette”.
Nas figuras 1, 2, 3 e 4 ilustramos algumas das operações referidas através de cópias do livro de facturas da conserveira Fernandes, Ramos & C.ª, hoje (2011) na posse dos descendentes de Domingos Fernandes. [1]
[1] Documentação na posse da neta Amélia Fernandes, que amavelmente nos cedeu o acesso à mesma e nos ofereceu alguns documentos repetidos. Digitalizámos, contudo, o acervo total da família que nos revelou, assim como a sua documentação pessoal.

Fig. 1 Factura e respectivo canhoto

Fig. 2 Canhoto correspondente à factura nº 5 de 17.07.1922
O comerciante belga Charles E. Le Goullon & C.ª tinha escritórios em Lisboa.

Fig. 3 Canhoto correspondente à factura nº 9 de 15.09.1922

Fig. 4 Canhoto correspondente à factura nº 6 de 12.07.1922
O canhoto da factura nº 6 é a prova evidente do fornecimento de sardinhas jagozes enlatadas, provenientes da pesca com armações à valenciana, à empresa Nova Sociedade de Conservas Alimentícias "La Bretagne", de Cascais.
Ericeira 2011. Texto actualizado em Setembro de 2023. Francisco Esteves
«Hoje, até tenho gosto que me chamem “Xico Porras”. Franciscos há muitos!»
FRANCISCO EURICO FRANCO ALBERTO

Fig. 1 Francisco Eurico Franco Alberto, na Ericeira, em 2009
Francisco Eurico Franco Alberto (alcunha “Xico Porras”) nasceu a 18 de Maio de 1942, na Ericeira, mas foi registado a 27 do mesmo mês. No Bilhete de Identidade consta a última data, contudo comemora o seu aniversário na data certa. É filho de Filipe António Inácio (alcunha “Galdera”; 1909-1976) e de Emília Franco Alberto (1909-1995).
Os pais tiveram onze filhos – «Era uma equipa de futebol», tendo atingido nove a idade adulta (Maria Cristina Franco Alberto, António Inácio (alcunha “Rodeia”), Manuela Alberto António (alcunha “Manã”), Maria Suzete Franco Alberto, Laurinda Franco Alberto, Aida Franco Alberto, Ana Franco Alberto e Antónia Franco Alberto).
Em 27 de Julho de 1956, fez o exame da 3ª classe com sucesso, aos treze anos. Em 1957, começou a andar no mar à pesca, na Ericeira, primeiro de moço, mais tarde, andou com o pai.
Em 1958, Francisco Eurico frequentou a Escola Profissional de Pesca, em Pedrouços, durante dois períodos. «Aprendi muita coisa, ensinaram-me tudo ali, o ensino era bom. Na escola aprendia-se a navegar ao leme, a fazer costuras, a rede de arrasto, etc. Tínhamos aulas de marinharia, de natação, de ginástica, de vela. Tínhamos aulas durante todo o dia. A escola tinha um cavalo para ir buscar peixe, de quinze em quinze dias, ao frigorífico velho em Alcântara, para alimentação dos alunos, que tinha sido pescado pelos arrastões. Foi a partir da escola que surgiram os melhores pescadores para a pesca do arrasto em Cabo Branco».
Em 9 de Dezembro desse ano inscreveu-se na Delegação Marítima da Ericeira tendo-lhe sido atribuído o nº 1.471, passando desde então a ser detentor da respectiva cédula marítima.
Em 1 de Abril de 1959, embarcou no lugre motor “Creoula” [1], da Parceria Geral de Pescarias, com destino à pesca do bacalhau na Terra Nova e Gronelândia, com a categoria de “moço”. O navio demorou dezoito dias a chegar à Terra Nova, viajando sempre com mau tempo.
A companha do “Creoula” era constituída por sessenta pescadores, onze moços, um chefe dos moços, que distribuía o trabalho aos moços, capitão, imediato, cozinheiro e dois ajudantes, moço de câmara, para servir os oficiais, e um fugitivo. Ia sempre um fugitivo. Era um homem que ia clandestino e que só era descoberto a meio da viagem. A companhia depois regularizava a sua situação quando chegavam ao Canadá. Nesse ano, regressou a Lisboa em 24 de Outubro.
Na segunda viagem, Francisco Eurico saiu no “Creoula”, para a pesca do bacalhau, a 9 de Abril e regressou a Lisboa a 20 de Outubro de 1960.
Em 1959, na primeira viagem, a companha pescou cerca de 11.000 quintais de bacalhau, em 1960, na segunda, pescou cerca de 8.000 quintais, em 1961, na terceira, capturou 6.000 e tal quintais. «Foi sempre a morrer! Sempre menos peixe!»
Em 1961, na terceira viagem, embarcou como “pescador verde”. Saiu de Lisboa, no “Creoula”, a 7 de Abril e regressou a 16 de Outubro de 1961.
Um dia, quando a companha arriava o seu bote, o terceiro a ir para o mar, Francisco Eurico caiu à água. Perdeu o foquim [2] e tudo quanto tinha. Até hoje! Nunca soube bem o que sucedeu. Arriaram mal o bote e este deve ter arriado só de um lado. Nesse dia, já não pode ir pescar. Os camaradas emprestaram-lhe vários artigos, para poder continuar a pescar durante a campanha. Conseguiu desenrascar-se assim e, na primeira oportunidade, quando chegou a terra, comprou os acessórios (incluindo o termo) que tinha perdido.
As tarefas dos moços consistiam em arriar e içar os botes, fazer limpeza a bordo e ajudar à salga no hino – compartimento do porão, onde era armazenado o bacalhau verde. Os moços não pescavam.
Na Gronelândia, a companha levantava-se às 4h 30m, era sempre dia. Às 5h, o cozinheiro e os três ajudantes punham o pequeno-almoço na mesa – sopa de puré de feijão branco, pão, manteiga, café, leite, chá, cacau, peixe frito (bacalhau frito, alabote frito), umas vezes com cebola, em escabeche, outras sem cebola.
Cada um dos pescadores, depois de se abastecer de isco, passava pela cozinha, enchia o termo, recolhia os alimentos, colocava tudo dentro do foquim e ia para a pesca no bote. Os pescadores cortavam a isca congelada em pedaços, com luvas, para dentro de um balde. O navio levava, de Lisboa, 100T de lula congelada. O aparelho (“trole”) era iscado com lula e sarda. Quando acabava a lula, a companhia comprava sarda na Terra Nova. Diariamente eram distribuídos 6-7kg de isco a cada pescador.
Um dia típico de pesca iniciava-se assim: o capitão, após decidir o local de pesca, mandava largar o ferro e arriar os botes (dóris) ao mar. Os botes de bombordo eram sempre lançados desse lado, o mesmo se passava com os botes de estibordo. Os pescadores afastavam-se, para relativamente longe do navio, no seu bote à vela. Cada pescador levava onze linhas de pesca dentro da ceira. Uma linha de pesca tinha cinquenta anzóis, distanciados de braça a braça. Largavam o aparelho (conjunto de linhas) com um balão e um grapelim [3], um “ferrinho pequeno”, em cada uma das extremidades da linha. O aparelho permanecia preso à borda do bote num ferro. Passado cerca de meia hora, alavam o aparelho.
Um pescador demorava, em média, duas horas a alar o aparelho – às vezes, o aparelho ficava “fixo”, preso à pedra no fundo; era também preciso safar os peixes dos anzóis, etc. Quando o bote ficava cheio de peixe, uma baleeira do navio, movida por um motor “Johnson”, ia recolher o peixe, pois o capitão estava sempre a observá-los com binóculos. Faziam dois ou três lances por dia. Geralmente faziam dois. Durante o tempo em que o aparelho pescava e enquanto esperava, o pescador pescava à azagaia com uma fateixa. Com esta técnica era possível apanhar seis e sete peixes pequenos de cada vez. Pescava também com linha de mão e isco. A quantidade de peixes capturados por estes processos era definida pelas seguintes expressões – “peixe a balde” (balde cheio), “peixe à sarreta [4]” (bote cheio pela sarreta, significa que a popa do bote estava cheia de bacalhaus), “peixe à proa”, (bote todo carregado, com cerca de 800kg de bacalhaus) “enfiadeira” (o peixe vinha enfiado pela guelra, sendo arrastado dentro de água, pois o bote vinha cheio, o que equivalia a cerca de 1.200kg de bacalhaus). A última classificação só era conseguida pelos “primeiras linhas”, os melhores pescadores de toda a companha do navio.
Francisco Eurico nunca chegou a “primeira linha”, nunca apanhou peixe para assim ser classificado. Só conseguiu carregar (encher) o bote duas vezes.
Na faina da pesca, o pescador começava por encher o bote pela proa. O bacalhau não tinha força nenhuma. Em seguida enchia a popa. À medida que alava a linha, esta era enrolada num cabedal que envolvia a proa do bote, a fim de ficar momentaneamente presa, enquanto safava o peixe do anzol. Os pescadores alavam as linhas com luvas de lã e “nepas” [5]. No início da campanha de pesca, a companhia dava doze ou treze “nepas” a cada pescador.
À tarde, cerca das 15h, o navio içava uma bandeira e dava duas ou três apitadelas para informar os pescadores que a pesca ia ser suspensa, pois o tempo estava quase sempre «de névoa». Os pescadores regressavam ao navio.
A companha, que estava a bordo, primeiro, ajudava na descarga do bacalhau dos botes, feita com ‘garfos’, depois metia os botes dentro. Em seguida, os pescadores iam almoçar – sopa de feijão com massa ou arroz, sempre boa sopa, pão e peixe cozido (bacalhau) com batatas, azeite e vinagre. A comida era boa. A tripulação tinha direito a carne (salgada de barrica) duas vezes por semana (Quarta-feira e Domingo). A carne era demolhada durante 24h. Após o almoço, a companha ia fazer a escala do peixe. Escalavam 250, 300, 400, 450 quintais de bacalhau ou por vezes nada – 1T ou 2T). Após terminarem a escala, lavavam-se, com água salgada, e iam jantar (chora, café, café com aguardente, chá, pão e manteiga). A água doce era utilizada só para beber, havia sempre água com fartura para beber.
As refeições eram todas como atrás se mencionou. À refeição, cada pescador tinha direito a uma caneca grande com 0,75cl de vinho tinto. O vinho era bom. «Mas eu nunca via entrar nenhum barril de vinho para dentro do navio! Um dia desconfiei. Mas que raio! Eu trabalhava a bordo. Via entrar farinha, chá, azeitonas, carne, azeite. Entrava tudo, em garrafões e em barris. Só não entrava vinho! No entanto estavam sempre a dar-nos vinho. Espreitei cá de cima, para o fundo do navio. Cheirava muito a vinho. Cheirava tanto a vinho e, apanhei-os a fazer o vinho. Faziam o vinho com pó, água e açúcar mascavado. O vinho era feito a martelo. Vinha fresquinho. Bela pinga! Ninguém morreu!» «A chora era uma porcaria, era feita só com arroz, peles e cabeças de bacalhau. A malta não gostava daquilo. Eu escolhia o feijão branco assado, bem cozido no forno, e fazia uma sopa.»
Certa vez, Francisco Eurico apanhou «muitas arraias, muitas arraias, algumas grandes», mas deitou todas fora. Da pescaria, só se aproveitava para além dos bacalhaus, os alabotes, que o capitão vendia em terra, no Canadá. «Era o capitão que fazia as contas. Ganhava muito dinheiro, mas depois dava-nos apenas uma ou duas dólares e, vai-te embora. Abençoado 25 Abril, se não fosse o 25 de Abril alguma vez eu tinha ganho dinheiro para comprar uma casa? Estava para aí a morrer de fome».
«O navio ia a North Sidney meter isca. Depois íamos para norte, andávamos de roda. Íamos ao canal de S. Lourenço para apanhar rumo para a Gronelândia, perto da Noruega. Nunca fomos à Noruega, pois não nos deixavam pescar ali. Pescávamos nos grandes bancos da Terra Nova.
Na Gronelândia, o bacalhau era pequeno, todo pequenino, na Terra Nova os bacalhaus eram todos grandes (alguns chegavam a pesar 40, 50 e 60kg). O melhor bacalhau é da Terra Nova e da Gronelândia.
No Canadá, pescávamos mesmo à beira de terra. Quando o navio estava em terra, 15 ou 20 dias, saíamos todos os dias. As dólares que ganhávamos nos alabotes eram para isso. Íamos passear para o café, jogar ao “bowling”. Íamos às grandes superfícies, superfícies cheias de luxo. Víamos televisão a cores. Cá só havia televisão a preto e branco. Jogávamos futebol, como havia muitos navios, uns tocavam instrumentos. Eu tinha 17 anos. Arranjávamos namoradas, mesmo a bordo. Ficaram lá muitos filhos, então não ficaram! Só não fiquei lá por causa do regime do Salazar, se não tinha fugido, alguns fugiram, tiveram sorte, vieram depois cá já bem instalados na vida».
O tempo útil de pesca era cerca de dois meses, pois a partir de 15 de Agosto vinha a noite na Gronelândia.
Quando estavam doentes iam para bordo do “Gil Eanes” após pedido feito pelo capitão. Recebiam e enviavam correio através Gil Eanes. Em três anos, nunca assistiu a nenhuma morte.
Na Gronelândia, o navio abastecia água em Frederikshab.
Em relação ao valor do salário, sabia que receberia dinheiro, mas não sabia quanto é que ia ganhar. No dia de embarque recebeu 6.000$00, que entregou à mãe. Quando chegou recebeu mais 2.000$00 escudos.
A escola de pesca definia em que navio é que cada um dos alunos embarcava e dava um papel para ir levantar a roupa à Marinha, no Largo da Armada.
Francisco Eurico levantou a roupa fiada, sendo depois descontado o seu valor no salário. No saco, que ainda hoje conserva em casa, trouxe – dez camisas de castorina [6], do melhor que havia, dez pares de caças de surro beco [7], dez camisetas, dez ceroulas, dez cuecas, trinta pares de meias, dois pares de botas altas e luvas. A companhia também dava a bordo luvas sempre que fosse preciso. Dava muitos pares de luvas. As luvas gastavam-se muito durante a descarga do bacalhau dos botes com os garfos.
A farda de pesca era constituída por saia de oleado, chapéu de oleado e botas altas de borracha. Os pescadores mais velhos e experientes usavam botas de cabedal verdadeiro.
Na segunda viagem, como pescador verde recebeu 8.000$00 à saída e mais 1.600$00 à chegada.
No Inverno desse ano, embarcou para a pesca do arrasto em Cabo Branco nos arrastões “Ilha de S. Vicente” (30.12.1961-02.01.1962) e “Bárbara Barata” (10.02.1962-09.04.1963), em ambos como moço.
Em 1963, dedicou-se à pesca artesanal na Ericeira. Fez um Verão, no mar, com o “Ti Guiné”, arrais da lancha “Januário Lucas”. A “Januário Lucas” era conhecida entre os pescadores pela alcunha “Carcaça”. Pescavam ao goraz, com duas linhas de cinquenta anzóis cada (“gorozeiras”). Lançavam uma linha por bombordo, e outra por estibordo. Engodavam bem a área de pesca. A linha tinha um chumbo grande (~0,5kg) na ponta e cinquenta anzóis em fila. Apenas uma única vez, a linha trouxe cinquenta gorazes, um peixe em cada anzol. Pescavam no “Mar das Ariosas”.
Entre 1964 e 1966 (durante vinte meses), fez o serviço militar na Marinha, tendo saído como 2º grumete de manobra.
Em 20 de Outubro de 1965, obteve a carta de marinheiro pescador na escola profissional de pesca.
Voltou a Cabo Branco no arrastão “Santa Fé” como marinheiro pescador (14.02.1966-15.05.1967).
Em 1968, Francisco Eurico casou, aos 26 anos, com Maria Argentina Bernardes da Luz Franco Alberto (16.03.1942-22.12.2006), de quem teve dois filhos – António, pescador artesanal na Ericeira e sucessor do pai, e Fernando, vendedor de peixe, por conta própria, com banca nos mercados da Ericeira e da Malveira, que seguiu a carreira da mãe.
Embarcou no “Ilha do Corvo” (29.09.1967-09.05.1968); no “Ilha Brava” (12.10.1968-19.03.1969); e no “Alvor” (23.10.1969-04.02.1970).
Em Cabo Branco, os arrastões pescavam com redes inglesas e bacalhoeiras. Pescavam toda a qualidade de peixe que havia em Cabo Branco. Com a rede inglesa pescavam lagostas, marmota, cachucho dentão, tudo! Com a rede bacalhoeira capturavam peixe grosso (corvinas, garoupas, meros, chernes, pescadas) e peixe da fundura (safios), tudo! Andou em Cabo Branco com o Mestre Narciso (Narciso Neto Espada) da Ericeira.
Em 1970, como não ganhava quase nada na pesca em Cabo Branco, foi para a Holanda, onde embarcou como marinheiro no longo curso no “Juvalta”, navio de bandeira holandesa, pertencente a uma companhia suíça. Fez duas viagens com a duração de cerca de seis meses cada.
Entre 1972 e 1974, andou na pesca artesanal na chata “Faneca” [8], de que era proprietário, sempre que regressava à Ericeira.
No final de 1972, Francisco Eurico ingressou na pesca costeira do arrasto. Andou no “S. Gonçalo” (29.11.1972-30.01.1973); no “Eduardo Lopes” (01.02.1973-12.09.1973); no “Silva Fernandes” (10.12.1973-04.02.1974); e no “Conceição M. Vilarinho” (13.02.1974-23.05.1974).
Em 22 de Outubro de 1974, fez exame, tendo obtido a carta de arrais de pesca local na Capitania do Porto de Cascais. Finalmente, embarcou no “Luso” (16.12.1974-02.05.1975). A norte pescavam até aos “Mares de S. Pedro de Fora” e “S. Pedro de Terra”, perto da Figueira da Foz e de Buarcos. A sul arrastavam até Portimão.
Em 1974, comprou o barco pequeno “Mar Lindo” [9]. Em 1979, adquiriu o “Toni Fernando” [10]. Até se reformar foi pescador artesanal na Ericeira.
Francisco Eurico reformou-se em 1998, cedendo o “Toni Fernando” ao seu filho António (alcunha “Sabe Tudo”).
Hoje (2009), segundo a malta que frequenta diariamente o adro da Capela de S. António, Mestre “Xico Porras” é o regedor do adro da referida capela. Passa aí longos períodos durante o dia, observando o mar e conversando amenamente com os camaradas da mesma arte e engenho. Não é homem de tabernas, nem de cafés. Nunca o consegui convencer a sentar-se à mesa comigo para beber um café num estabelecimento comercial da vila, e da única vez que o fez, serviu somente de companhia para uma agradável cavaqueira! Vai frequentemente à malhada.
Finalmente, a história da famosa alcunha contada na primeira pessoa – «O Dr. Bento Franco, pediu-me um dia para passar a comprar e levar-lhe a casa, o jornal que era o “Diário Popular” [11]. Dava-me todos os dias 10 tostões para comprar o jornal. O jornal naquele tempo custava oito tostões. Oito tostões eram para comprar o jornal e dois eram para mim. Era muito bom naquele tempo!
Um dia perguntou-me se queria comer na casa dele. Respondi logo afirmativamente. Chegado o dia prometido, o Dr. Bento Franco mandou-me entrar para irmos jantar. Quando entrámos na sala, estava vazia. Depois começaram a entrar os filhos, o “Quincas”, e o “Tó”, a esposa e as duas irmãs. O Dr. Bento Franco tinha duas ou três criadas de servir. Uma das criadas começou a servir a sopa que era canja de galinha. Repeti a canja de galinha! O “Tó” a determinada altura insistiu para que eu repetisse novamente a sopa. Eu respondi-lhe – Porra, já repeti a sopa, agora quero é comer um bocadinho da galinha que está na mesa!» A galinha era ementa raríssima na dieta do “Xico”.
«No princípio sempre que a malta ia jogar à bola para o terreno do Burnay, o “Tó Franco”, contava a história à malta e todos achavam piada. A determinada altura o Dr. Bento começou a tratar-me por “Xico Porras” e a alcunha ficou. Hoje, até tenho gosto que me chamem “Xico Porras”. Franciscos há muitos!».
Entrevista realizadas em sua casa na Ericeira em 17.08.2009, 26.09.2012 e 23.01.2013.
Francisco Esteves
[1] O lugre “Creoula” foi construído em aço nos estaleiros da “CUF” (“Companhia União Fabril”), em Lisboa, e lançado à água em 10 de Maio de 1937. Estava equipado com um motor “Benz” de 480 H.P. Tinha frigorífico, 57,57m de comprimento, 664,57T de arqueação bruta e 9.295 quintais de capacidade de pesca. Possuía quatro mastros com velame.
[2] Caixa cilíndrica de madeira com asa que servia para guardar a merenda, o tabaco e a aguardente, servindo também de banco.
[3] Fateixa especial com quatro braços flexíveis.
[4] Cada uma das peças que suportam os paneiros à ré do bote.
[ 5] Argolas de borracha que protegiam as mãos.
[6] Tecido de lã, leve, macio e sedoso.
[7] Pano grosso e áspero, bastante durável, semelhante ao burel, porém mais largo, fabricado no Alentejo e na Covilhã.
[8] Em 16 de Setembro de 1972, Francisco Eurico comprou a chata “Abílio Praia” a José de Barros Casado e denominou-a “Faneca”. Tinha o nº de registo E232L e 0,785T de arqueação bruta. Destinava-se à pesca costeira local da classe “O”, com aparelhos de linhas e anzóis e covos. Estava ainda licenciada para usar redes de emalhar.
[9] Francisco Eurico comprou, em 11 de Julho de 1974, a lancha “Mar Lindo”, E238L, a António Murraças Gineto, pescador da Nazaré. O motor existente foi substituído por um da marca “Petter” de 10 H.P. Tinha 1,570T de arqueação bruta. Em Janeiro de 1979, vendeu-a para Sagres.
[10] Francisco Eurico comprou, em 27 de Agosto de 1979, a embarcação “Toni Fernando” à Sociedade de Construção e Reparação Naval – Os Calafates de Peniche, Lda. Tinha 3,170T de arqueação, o nº de registo E287-L e foi equipada com um motor “Petter Maclaren” de 20 H.P. (cavalos).
[11] Vespertino lisboeta que chegava à Ericeira ao fim do dia.

Fig. 2 Ficha de Inscrição do Grémio dos Armadores Bacalhoeiros

Fig. 3 Cédula de Inscrição Marítima emitida em 09.12.1958

Fig. 4 Carta de Exame para Arrais de Pesca
